タヌキの祝福 T-120

Mate-me por favor Legs McNeil e Gillian McCain

Eu comprei “Mate-me por favor” antes de entrar na faculdade, em uma das viagens para Rio Preto para prestar vestibular – pelas minhas contas, em 2001, 18 anos atrás.

(Pausa para tossir, estralar os ossos e trocar a fralda geriátrica)

Nessa época eu era um jovenzinho descobrindo o rock, baixando tudo de MP3 no Napster e queimando CDs como se minha vida dependesse disso. A Bizz era a minha bíblia, Allmusic era a minha enciclopédia. Eu gostava do punk, mas o que eu conhecia do punk era bem limitado – Green Day, Offspring, Ramones, Sex Pistols, Clash, e uma fase curta mas muito marcante de SKAPUNK!

(Pausa para o solo de trompete)

Nessa época qualquer material sobre Rock era ouro, e achar um livro sobre o Punk era mágico, uma oportunidade única. Eu viajava para esses bate-volta de vestibular com o dinheiro contadinho, e lembro que fiquei o resto da viagem sem comer direito – mas foda-se, o bendito livro era finalmente meu. “Mate-me Por Favor” é um livro do tipo “história oral” – cada capítulo é composto de citações de artistas variados, na tentativa de reconstruir um período nas palavras de quem realmente estava lá. É bem divertido, mas você fica meio perdido se não tiver uma noção prévia dos fatos narrados, ou pelo menos do contexto. Nessa época eu tinha uma noção beeem vaga…como eu disse, eu adorava o punk mas meu conhecimento era pequenininho. Eu não entendia porque era preciso falar de Velvet Underground antes de falar de punk, nem quem diabos era essa tal de Patti Smith e qual a relação entre punk e poesia. O que eu queria mesmo era saber do que eu já conhecia – de Ramones, Sex Pistols, Clash.

Nesse sentido o livro me decepcionou um pouco na época. Ao mesmo tempo, olhando em retrospecto…foi por causa do livro que mais tarde eu fui dar mais atenção ao Velvet e ao Lou Reed, e foi por causa do livro que eu fui ouvir o Raw Power no talo, como deve ser ouvido. O livro me mostrou um bocado de pessoas estranhas em muquifos estranhos fazendo música estranha – e hoje eu vejo que isso me influenciou de várias maneiras diferentes. Durante todos esses anos eu sempre voltei ao livro – geralmente depois de ouvir algum disco que figurava nele, ou só pra ler algum capítulo solto de causos escabrosos.

Reler esse livro agora é ainda mais divertido – tendo o contexto todo, sabendo quem são os personagens, entendendo porque diabos a gente fala primeiro de Velvet pra depois falar de MC5 e Stooges e só aí falar de punk. É tipo uma aula na Rock’n’Roll High School, onde os Ramones são seus colegas de classe, o Danny Fields é o professor, e o Lou Reed é o diretor que quer cagar na sua boca. Literalmente, cara. Yiiiiikes.

Percebi que nos últimos anos eu circulo por uma espécie de rodízio de jogos que eu repito periodicamente, e que me atraem novamente por um motivo ou outro.

O primeiro deles é They Are Billions (219 horas jogadas), um jogo de estratégia em tempo real (pense Starcraft). Seu objetivo é sobreviver hordas de zumbi durante um período determinado de dias – no final disso, uma MEGAHORDA invade o mapa por todas as direções possíveis e você tem que sobreviver do jeito que der. Eu percebi que amo as primeiras horas de uma partida, que envolvem principalmente limpar o mapa de zumbis para poder expandir sua base – é muito legal, você vai explorando o mapa e decidindo pra que lado irá expandir, o melhor local para fazer muros e choke points, etc. Em compensação, o final do jogo me perde completamente – não tenho saco pra ficar pra ficar construindo uma defesa que aguente a megahorda, e acabo largando a partida e começando de novo.

O segundo é Factorio (131 horas), um jogo de fábrica – anotem aí, 2020 será o grande ano dos jogos de fábrica. O objetivo aqui é…construir fábricas? Olha só, você tem alguns minerais básicos – pedras, ferro, cobre, carvão – e vai usando eles pra construir materiais cada vez mais complexos. A graça do jogo está na automatização da fabricação desses materiais. Você tem fábricas, conveyour belts, braços robóticos, geradores de energia, linhas de transmissão, mineradoras, plantas químicas, unidades de pesquisa…e você é livre pra construir e interligar todas essas coisas do jeito que quiser. Quer uma amostra do que é possível? É só entrar no Youtube e procurar por “Factorio Megabase”. Eu geralmente jogo Factorio em “bursts” de alguns dias, mas depois de um tempo eu paro e penso “Meu Deus, isso é um trabalho! Aaaaaaah!”.

O terceiro é Stardew Valley (191 horas) – um clone mais que perfeito de Harvest Moon, o tradicional jogo de fazendinha do Super NES. Você é um zezinho que herda a fazenda (um sítio, vai) de seu avô, e seu objetivo é se transformar em um fazendeiro. Ao longo do tempo você vai plantar, regar e colher vegetais diversos, cuidar de animais, pescar, minerar, fazer amizade com os habitantes da Vila, namorar e se casar com alguém, expandir sua casa, decorar sua fazenda, ter filhos, ganhar o respeito do fantasma de seu avô, fazer maionese, e muito mais. É um jogo absurdamente relaxante, perfeito pra esquecer da vida por algumas horas e também pra ouvir podcasts. Tem dois artigos muito bons sobre o jogo – um da Alexandra Moraes (O Pintinho) e outro da Ana Guadalupe – e os dois tratam sobre essa atração que esse jogo causa.

O quarto é…ah, depois eu falo do quarto, do quinto, do sexto. Mas pra quem curte spoilers, eles são Rimworld (um simulador de base onde você não controla diretamente os personagens), Dying Light (mundo aberto, cidade gigante, zumbis em todos os lugares) e Minecraft (já é batido, mas ainda é o jogo perfeito pra ouvir podcasts).

Pra não passar em branco, mesmo que ninguém leia.

Me enoja essa tentativa de revisionismo histórico, essa tentativa de meter um verniz lustroso em uma escultura feita de bosta. Foi golpe sim, não foi revolução nem contragolpe. Não havia uma ameaça comunista real, não havia nenhuma chance de João Goulart dar um golpe, não havia nada que justificasse. Quando Jango caiu, ele caiu sozinho – foi embora sem resistir, ninguém resistiu com ele naquele 1º de Abril, os militares entraram e tomaram conta sem que ninguém oferecesse resistência. Que contragolpe foi esse então?

Assumam que foi golpe, e assumam seus cadáveres. Assumam os quase 500 mortos “oficiais”, assumam as milhares de pessoas presas e torturadas, as pessoas que desapareceram sem deixar rastro. Assumam os exilados voluntários e involuntários, assumam as arbitrariedades cometidas em todo o país, assumam as tribos dizimadas durante a expansão para o norte/centro-oeste.

E assumam que, mesmo com carta livre pra fazer qualquer coisa que desejassem, os militares só nos deixaram com uma herança maldita. Dívida externa absurda, desigualdade galopante, uma mega-inflação que a gente só foi conseguir resolver em 95 depois de um desfile de planos econômicos e trocas de moeda. Isso sem falar nos esquemas com as mega-empreiteiras que começam durante a ditadura, toda a corrupção que jamais apareceu nos jornais (censura, lembra?).

Não me admira que esse imbecil que sentou no Planalto deseje comemorar o 31 de março. Não esperava nada mais de alguém tão pequeno, que homenageia torturadores e ditadores, que não faz a menor ideia do que é ser presidente e usa seu cargo pras suas pequenezas: demitir fiscal do Ibama que lhe multou, demitir a funcionária da Embratur que OUSOU contratar o show de alguém que defendeu seu opositor.

Sigamos em frente. É preciso sim lembrar do que aconteceu para que não se repita. É preciso honrar quem perdeu a vida lutando contra esses homens torpes, é preciso celebrar quem resistiu de qualquer forma – com luta, com música, com livro, com piada, com sua própria existência (existir em tempos sombrios já é uma forma de resistência). Afinal, talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado, mas uma certeza eu tenho: que os dinossauros vão desaparecer (gracias, Charly)

Ditadura nunca mais.

  • Ando meio de saco cheio do Twitter. Embora eu não fale com quase ninguém lá, é a rede social em que eu passo o dia todo – lendo as bobagens que o pessoal posta. É divertido, as piadas estão sempre quentinhas e você fica sabendo do que acontece muito rápido. Mas é um vício: eu simplesmente não percebo o quanto tempo eu perco por lá. Fico sem fazer nada por alguns segundos na frente do PC e entro lá, deito na cama pra relaxar com o celular na mão e abro o Twitter automaticamente. Quantas horas eu fico lá? Eu poderia até colocar um daqueles medidores de screen time, mas o saco cheio veio antes. É tipo comer cheetos o dia todo, né? Você engorda e não se alimenta, você perde tempo e não vê nada realmente interessante – é só um monte de gente brigando pelo assunto da vez. E nos últimos dias o assunto da vez tem sido…o Zé de Abreu? Chega, né? Andei bloqueando o twitter em períodos curtos na última semana, hoje eu tranquei o site e escondi o botãozinho de desbloquear…vamos ver no que dá.
  • Devem ter lugares melhores pra se frequentar na internet. Reabri meu “The Old Reader” pra ver se alguém ainda usa RSS nessa internet de meu deus. Dei sorte de encontrar o Warren Ellis com um blog novo, com a proposta de justamente estabelecer uma nova “presença online” – e aí eu li sobre hipersigilos e outras maluquices, já valeu o dia. Ainda não tenho quase nada pra ler, mas talvez o segredo seja esse – menos é mais, já dizia o sr. Bauhaus.
  • Alguns (vários?) anos atrás eu parei de usar bookmarks no Chrome. Não lembro o motivo exato, mas eu fiquei alguns anos sem salvar nada na barrinha de favoritos – talvez eu estivesse de luto pela morte do delicious? Ou tentei usar outro aplicativo? Enfim, depois de algum tempo eu percebi isso e retifiquei meu erro. Voltei a barrinha de favoritos em seu devido lugar, e recriei o hábito de jogar TUDO nela. Hoje eu estava reparando nela: é um festival de pastas, pastas dentro de pastas, links soltos, coisas contextualizadas e coisas randômicas, um pouco de organização e um muito de “anything goes”. Deu mó orgulhinho, tem um montão de links para serem redescobertos eventualmente.
  • Eu gosto de coletar coisas, juntar tudo em um lugar e depois de algum tempo lembrar que aquele amontoado existe e ir lá brincar de arqueólogo da minha própria bagunça. Faço isso com armários de tranqueiras, faço isso com pastas no computador. É legal, pra quem gosta dessas coisas 🙂

Changing Genres Dean Young

I was satisfied with haiku until I met you,
jar of octopus, cuckoo’s cry, 5-7-5,

but now I want a Russian novel,
a 50-page description of you sleeping,
another 75 of what you think staring out
a window. I don’t care about the plot
although I suppose there will have to be one,
the usual separation of the lovers, turbulent
seas, danger of decommission in spite
of constant war, time in gulps and glitches
passing, squibs of threnody, a fallen nest,
speckled eggs somehow uncrushed, the sled
outracing the wolves on the steppes, the huge
glittering ball where all that matters
is a kiss at the end of a dark hall.
At dawn the officers ride back to the garrison,
one without a glove, the entire last chapter
about a necklace that couldn’t be worn
inherited by a great-niece
along with the love letters bound in silk.

I imagine the gods saying, We will
make it up to you. We will give you
three wishes, they say. Let me see
the squirrels again, I tell them.
Let me eat some of the great hog
stuffed and roasted on its giant spit
and put out, steaming, into the winter
of my neighborhood when I was usually
too broke to afford even the hundred grams
I ate so happily walking up the cobbles,
past the Street of the Moon
and the Street of the Birdcage-Makers,
the Street of Silence and the Street
of the Little Pissing. We can give you
wisdom, they say in their rich voices.Let me go at last to Hugette, I say,
the Algerian student with her huge eyes
who timidly invited me to her room
when I was too young and bewildered
that first year in Paris.
Let me at least fail at my life.
Think, they say patiently, we could
make you famous again. Let me fall
in love one last time, I beg them.
Teach me mortality, frighten me
into the present. Help me to find
the heft of these days. That the nights
will be full enough and my heart feral.

– Jack Gilbert

The Phantom Tollbooth Norton Juster

“Have you ever heard the wonderful silence just before the dawn? Or the quiet and calm just as a storm ends? Or perhaps you know the silence when you haven’t the answer to a question you’ve been asked, or the hush of a country road at night, or the expectant pause of a room full of people when someone is just about to speak, or, most beautiful of all, the moment after the door closes and you’re alone in the whole house? Each one is different, you know, and all very beautiful if you listen carefully.”

Aliens: Dead Orbit James Stokoe

Essa mini-série é fantástica. O desenho do James Stokoe é uma mistura de mangá velha-guarda com quadrinhos europeus, com um puta olho pra detalhes. Dá pra perder horas só olhando pras naves, trajes espaciais e – claro – pros xenomorfos. É uma história curta, no estilo “só restará um”, e que funciona muito bem. Sem grandes revelações existenciais, só uma equipe despreparada, uma nave fodida e um par de xenomorfos prontinhos para causar muita confusão (e alguma carnificina).

Também assisti “The Umbrella Academy” e foi legal, daquele jeito sem grandes obrigações e sem grandes expectativas que acaba surpreendendo. É um bom seriado de super-heróis fodidos e desajustados, com um quê de Academia Xavier revisitado para o ambiente millenial (seja lá o que isso quer dizer, me pareceu uma boa ideia escrever isso na hora). Depois de ver a série eu reli parte do primeiro volume do quadrinho e…ó, a série consegue ser mais legal? Eu gosto do quadrinho, mas ele não é nada profundo – é um amontoado de ideias malucas, situações legais e personagens que poderiam ser bacanas se melhor desenvolvidos. O que o seriado faz é justamente desenvolver melhor os personagens e pegar só algumas das ideias malucas, e isso acaba funcionando surpreendentemente bem.

(Uma coisa que eu não gostei na série: o personagem da Ellen Page é muito chato. Desperdiçaram uma puta atriz em uma personagem que poderia ter sido escrita de outro jeito, talvez menos passivo e mais “screw you guys, i’m going home”, dona de si. Ellen Page merecia um personagem melhor, e o seriado merecia uma vilã de verdade).

Russian Doll é “Groundhog Day” com menos Bill Murray e mais Nova York, e trocando a Cher pelo Harry Nilsson. Toda sua atmosfera é fantástica: os personagens estranhos do jeito certo, os diálogos cheios de frases notáveis e anotáveis, a trilha sonora perfeita. É uma daquelas obras capaz de causar um grau de identificação com o espectador, da pessoa pensar “Ei, eu me vejo aqui” ou “Ei, eu quero me ver aqui”, e esse tipo de obra é sempre legal – mesmo que você não seja exatamente a pessoa que se identifica. Ei, eu não tenho nada a ver com Nadia e com a Nova York dela, mas consigo entender o apelo – é legal, é cosmopolita, é massa.

Não vou ficar aqui explicando a história porque 1) esse é um bom seriado de assistir no esquema “não sei de nada, me surpreenda” e 2) já dei a deixa ali em cima, “Groundhog Day” mas diferente. Mas enfim, assistam, vale muito a pena, seja pelo charme Rê Bordosa da Nadia, seja pela trama insólita, seja pela atmosfera absolutamente cool.

Vamos pular a piadinha obrigatória envolvendo leituras de vestibular, ok?

Gostei bastante de “Memórias Póstumas”. A estratégia de botar um defunto pra escrever é ótima, os capítulos são curtos e ágeis, e a narrativa de Cubas é divertida – saltando entre divagações e memórias soltas enquanto conta sua história, ele vai revisando o livro enquanto o escreve. “Tal capítulo é inútil”, “Encaixem este capítulo entre a primeira e a segunda frase do capítulo anterior”, como se quem o escrevesse não se importasse muito com a formalidade do livro escrito (talvez porque já estivesse morto). A vida de Brás Cubas é…uma pasmaceira? Tentaram casá-lo e não deu certo, passou anos só se preocupando com sua amante (a noiva que não deu certo), tentaram casá-lo novamente e não deu certo (novamente), tentou ser deputado e não deu certo, tentou inventar um emplastro anti-hipocondria e…morreu. Que merda, Brás Cubas.

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