Me enoja essa tentativa de revisionismo histórico, essa tentativa de meter um verniz lustroso em uma escultura feita de bosta. Foi golpe sim, não foi revolução nem contragolpe. Não havia uma ameaça comunista real, não havia nenhuma chance de João Goulart dar um golpe, não havia nada que justificasse. Quando Jango caiu, ele caiu sozinho – foi embora sem resistir, ninguém resistiu com ele naquele 1º de Abril, os militares entraram e tomaram conta sem que ninguém oferecesse resistência. Que contragolpe foi esse então?
Assumam que foi golpe, e assumam seus cadáveres. Assumam os quase 500 mortos “oficiais”, assumam as milhares de pessoas presas e torturadas, as pessoas que desapareceram sem deixar rastro. Assumam os exilados voluntários e involuntários, assumam as arbitrariedades cometidas em todo o país, assumam as tribos dizimadas durante a expansão para o norte/centro-oeste.
E assumam que, mesmo com carta livre pra fazer qualquer coisa que desejassem, os militares só nos deixaram com uma herança maldita. Dívida externa absurda, desigualdade galopante, uma mega-inflação que a gente só foi conseguir resolver em 95 depois de um desfile de planos econômicos e trocas de moeda. Isso sem falar nos esquemas com as mega-empreiteiras que começam durante a ditadura, toda a corrupção que jamais apareceu nos jornais (censura, lembra?).
Não me admira que esse imbecil que sentou no Planalto deseje comemorar o 31 de março. Não esperava nada mais de alguém tão pequeno, que homenageia torturadores e ditadores, que não faz a menor ideia do que é ser presidente e usa seu cargo pras suas pequenezas: demitir fiscal do Ibama que lhe multou, demitir a funcionária da Embratur que OUSOU contratar o show de alguém que defendeu seu opositor.
Sigamos em frente. É preciso sim lembrar do que aconteceu para que não se repita. É preciso honrar quem perdeu a vida lutando contra esses homens torpes, é preciso celebrar quem resistiu de qualquer forma – com luta, com música, com livro, com piada, com sua própria existência (existir em tempos sombrios já é uma forma de resistência). Afinal, talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado, mas uma certeza eu tenho: que os dinossauros vão desaparecer (gracias, Charly)
Ando meio de saco cheio do Twitter. Embora eu não fale com quase ninguém lá, é a rede social em que eu passo o dia todo – lendo as bobagens que o pessoal posta. É divertido, as piadas estão sempre quentinhas e você fica sabendo do que acontece muito rápido. Mas é um vício: eu simplesmente não percebo o quanto tempo eu perco por lá. Fico sem fazer nada por alguns segundos na frente do PC e entro lá, deito na cama pra relaxar com o celular na mão e abro o Twitter automaticamente. Quantas horas eu fico lá? Eu poderia até colocar um daqueles medidores de screen time, mas o saco cheio veio antes. É tipo comer cheetos o dia todo, né? Você engorda e não se alimenta, você perde tempo e não vê nada realmente interessante – é só um monte de gente brigando pelo assunto da vez. E nos últimos dias o assunto da vez tem sido…o Zé de Abreu? Chega, né? Andei bloqueando o twitter em períodos curtos na última semana, hoje eu tranquei o site e escondi o botãozinho de desbloquear…vamos ver no que dá.
Devem ter lugares melhores pra se frequentar na internet. Reabri meu “The Old Reader” pra ver se alguém ainda usa RSS nessa internet de meu deus. Dei sorte de encontrar o Warren Ellis com um blog novo, com a proposta de justamente estabelecer uma nova “presença online” – e aí eu li sobre hipersigilos e outras maluquices, já valeu o dia. Ainda não tenho quase nada pra ler, mas talvez o segredo seja esse – menos é mais, já dizia o sr. Bauhaus.
Alguns (vários?) anos atrás eu parei de usar bookmarks no Chrome. Não lembro o motivo exato, mas eu fiquei alguns anos sem salvar nada na barrinha de favoritos – talvez eu estivesse de luto pela morte do delicious? Ou tentei usar outro aplicativo? Enfim, depois de algum tempo eu percebi isso e retifiquei meu erro. Voltei a barrinha de favoritos em seu devido lugar, e recriei o hábito de jogar TUDO nela. Hoje eu estava reparando nela: é um festival de pastas, pastas dentro de pastas, links soltos, coisas contextualizadas e coisas randômicas, um pouco de organização e um muito de “anything goes”. Deu mó orgulhinho, tem um montão de links para serem redescobertos eventualmente.
Eu gosto de coletar coisas, juntar tudo em um lugar e depois de algum tempo lembrar que aquele amontoado existe e ir lá brincar de arqueólogo da minha própria bagunça. Faço isso com armários de tranqueiras, faço isso com pastas no computador. É legal, pra quem gosta dessas coisas 🙂
I was satisfied with haiku until I met you,
jar of octopus, cuckoo’s cry, 5-7-5,
but now I want a Russian novel,
a 50-page description of you sleeping,
another 75 of what you think staring out
a window. I don’t care about the plot
although I suppose there will have to be one,
the usual separation of the lovers, turbulent
seas, danger of decommission in spite
of constant war, time in gulps and glitches
passing, squibs of threnody, a fallen nest,
speckled eggs somehow uncrushed, the sled
outracing the wolves on the steppes, the huge
glittering ball where all that matters
is a kiss at the end of a dark hall.
At dawn the officers ride back to the garrison,
one without a glove, the entire last chapter
about a necklace that couldn’t be worn
inherited by a great-niece
along with the love letters bound in silk.
I imagine the gods saying, We will
make it up to you. We will give you
three wishes, they say. Let me see
the squirrels again, I tell them.
Let me eat some of the great hog
stuffed and roasted on its giant spit
and put out, steaming, into the winter
of my neighborhood when I was usually
too broke to afford even the hundred grams
I ate so happily walking up the cobbles,
past the Street of the Moon
and the Street of the Birdcage-Makers,
the Street of Silence and the Street
of the Little Pissing. We can give you
wisdom, they say in their rich voices.Let me go at last to Hugette, I say,
the Algerian student with her huge eyes
who timidly invited me to her room
when I was too young and bewildered
that first year in Paris.
Let me at least fail at my life.
Think, they say patiently, we could
make you famous again. Let me fall in love one last time, I beg them. Teach me mortality, frighten me into the present. Help me to find the heft of these days. That the nights will be full enough and my heart feral.”
“Have you ever heard the wonderful silence just before the dawn? Or the quiet and calm just as a storm ends? Or perhaps you know the silence when you haven’t the answer to a question you’ve been asked, or the hush of a country road at night, or the expectant pause of a room full of people when someone is just about to speak, or, most beautiful of all, the moment after the door closes and you’re alone in the whole house? Each one is different, you know, and all very beautiful if you listen carefully.”
Essa mini-série é fantástica. O desenho do James Stokoe é uma mistura de mangá velha-guarda com quadrinhos europeus, com um puta olho pra detalhes. Dá pra perder horas só olhando pras naves, trajes espaciais e – claro – pros xenomorfos. É uma história curta, no estilo “só restará um”, e que funciona muito bem. Sem grandes revelações existenciais, só uma equipe despreparada, uma nave fodida e um par de xenomorfos prontinhos para causar muita confusão (e alguma carnificina).
Também assisti “The Umbrella Academy” e foi legal, daquele jeito sem grandes obrigações e sem grandes expectativas que acaba surpreendendo. É um bom seriado de super-heróis fodidos e desajustados, com um quê de Academia Xavier revisitado para o ambiente millenial (seja lá o que isso quer dizer, me pareceu uma boa ideia escrever isso na hora). Depois de ver a série eu reli parte do primeiro volume do quadrinho e…ó, a série consegue ser mais legal? Eu gosto do quadrinho, mas ele não é nada profundo – é um amontoado de ideias malucas, situações legais e personagens que poderiam ser bacanas se melhor desenvolvidos. O que o seriado faz é justamente desenvolver melhor os personagens e pegar só algumas das ideias malucas, e isso acaba funcionando surpreendentemente bem.
(Uma coisa que eu não gostei na série: o personagem da Ellen Page é muito chato. Desperdiçaram uma puta atriz em uma personagem que poderia ter sido escrita de outro jeito, talvez menos passivo e mais “screw you guys, i’m going home”, dona de si. Ellen Page merecia um personagem melhor, e o seriado merecia uma vilã de verdade).
Russian Doll é “Groundhog Day” com menos Bill Murray e mais Nova York, e trocando a Cher pelo Harry Nilsson. Toda sua atmosfera é fantástica: os personagens estranhos do jeito certo, os diálogos cheios de frases notáveis e anotáveis, a trilha sonora perfeita. É uma daquelas obras capaz de causar um grau de identificação com o espectador, da pessoa pensar “Ei, eu me vejo aqui” ou “Ei, eu quero me ver aqui”, e esse tipo de obra é sempre legal – mesmo que você não seja exatamente a pessoa que se identifica. Ei, eu não tenho nada a ver com Nadia e com a Nova York dela, mas consigo entender o apelo – é legal, é cosmopolita, é massa.
Não vou ficar aqui explicando a história porque 1) esse é um bom seriado de assistir no esquema “não sei de nada, me surpreenda” e 2) já dei a deixa ali em cima, “Groundhog Day” mas diferente. Mas enfim, assistam, vale muito a pena, seja pelo charme Rê Bordosa da Nadia, seja pela trama insólita, seja pela atmosfera absolutamente cool.
Vamos pular a piadinha obrigatória envolvendo leituras de vestibular, ok?
Gostei bastante de “Memórias Póstumas”. A estratégia de botar um defunto pra escrever é ótima, os capítulos são curtos e ágeis, e a narrativa de Cubas é divertida – saltando entre divagações e memórias soltas enquanto conta sua história, ele vai revisando o livro enquanto o escreve. “Tal capítulo é inútil”, “Encaixem este capítulo entre a primeira e a segunda frase do capítulo anterior”, como se quem o escrevesse não se importasse muito com a formalidade do livro escrito (talvez porque já estivesse morto). A vida de Brás Cubas é…uma pasmaceira? Tentaram casá-lo e não deu certo, passou anos só se preocupando com sua amante (a noiva que não deu certo), tentaram casá-lo novamente e não deu certo (novamente), tentou ser deputado e não deu certo, tentou inventar um emplastro anti-hipocondria e…morreu. Que merda, Brás Cubas.
Saiu disco novo da Sharon Van Etten, e é uma coisa sombria e nostálgica, com um quê de sonoridade dos anos 80 que me é confortável por motivos que não sei bem explicar. Enfim, é maravilhoso.
“Ra” começa com uma premissa simples: e se a magia fosse uma disciplina mais parecida com engenharia ou programação? Nesse universo a magia é regida por leis e constantes, e foi descoberta há 30 anos atrás. É um campo em constante evolução, cujas teorias ainda estão sendo pesquisadas, escritas e testadas, mas cujo uso prático começa a demonstrar seu potencial. Nesse contexto nós acompanhamos Laura Fern, estudante de magia. Sua mãe morreu tentando usar a magia para conseguir atingir o espaço sideral, e Laura quer seguir seus passos, obter sucesso onde ela falhou…
Esse poderia ser o resumo do livro, e é. Mas aí em certo ponto o livro muda – como se alguém desse uma viradinha na realidade. E aí depois de outro certo ponto, alguém dá um petelecão na realidade. E a partir daí eu não consegui mais parar de ler.
Já tentei gostar do som do Criolo por conta do nome do álbum “Convoque seu Buda”, mas não rolou. Continuo achando o título o máximo: convoque seu Buda, keep your cool, sossega, etc.
Em termos de rap paulistano eu simpatizo um monte com o Emicida mas gosto de umas três músicas, e gosto mesmo é do Rincon, tanto pela batida das músicas quanto pelas letras e pelo jeito como ele canta.
Volta e meia eu sempre tento gostar de rap americano, mas nunca vou longe. Na última tentativa o saldo pelo menos foi positivo: eu descobri que o primeiro álbum do De La Soul é fantástico demais da conta, sô!
Domingos continuam sendo a grande hora de chá da alma, e domingos véspera de retorno ao trabalho se qualificam duplamente. Passei o dia com eu, eu mesmo e minha ansiedade.
No mais, tô gostando bastante dessa experiência de ter um blog de novo e conseguir postar nele. A ideia dele ser um lugar onde eu vou tacando as coisas que eu gosto, que me interessam e que de alguma maneira eu quero salvar de certa forma tiram aquela obrigação de “eu preciso escrever um textaralho falando da situação atual do país”.
Por agora é isso. Sejam excelentes uns com os outros, e lembrem-se de rebobinar a fita antes de devolvê-la.